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O que aprendi com 228 pitches para levantar meu primeiro investimento

* por Paul Malicki, CEO da Flapper

Gosto de me chamar “startuper”. Ao longo de minha vida, sempre trabalhei com empresas de tecnologia apoiadas por VCs, desde a minha primeira aventura com social dating na Suécia, passando pela AllFamous nas Filipinas, até a Easy Taxi, que me finalmente trouxe para Brasil.

Até então, era acostumado com o estilo de expansão da Rocket Internet. Eles eram direto ao ponto – se eles gostassem do mercado, o aporte seria imediato, demorando em torno de 1 mês. Hoje, posso dizer que a velocidade e a expansão implacável eram tanto vantagens quanto pontos fracos do fundo, mas o fato é: “Rocket didn’t play around, they invested right on.”

>> Veja também: Como montar um bom pitch deck
>> Acesse agora: Entendendo o processo de fundraising 

Na época em que me juntei ao meu sócio na Flapper, não imaginava que levantar dinheiro pode demorar 6 meses. Isso era contra a lógica que aprendi.

Entendia perfeitamente que no Brasil as coisas são geralmente mais demoradas, mas também sabia que o potencial de mercado de táxi aéreo nos países emergentes é gigantesco. O Brasil já tinha alguns casos de sucesso entre startups, então achar um investidor para meu negócio deveria ser uma formalidade.

A realidade cruel do processo de levantar investimento

Mas a realidade foi mais cruel. Cheio de ambição, fui direto para os grandes fundos, como Monashees ou Tiger, pedindo entre R$ 3 milhões e R$ 5 milhões. O negócio de marketplace demanda muito capital – mais ainda no caso de aviação executiva -, então investimento era fundamental para gente.

Para minha surpresa, tudo que ouvi foi que se eu não faturasse por volta de R$ 1 milhão por mês, eu não poderia levantar dinheiro. Essas são as regras do mercado.

“Como assim?”, perguntava, “Negócios como Easy Taxi, 99, Netshoes ou iFood cresceram justamente graças ao apoio de grandes fundos, como o seu. Não é possível fretar um avião e vender por assento sem um capital sólido de seed, sabe? É assim que funcionam os marketplaces.”

Todo mundo concordava comigo, mas me dei conta que existem dois fatos importantes que iam complicar o nosso fundraising:

Primeiro, o Brasil estava passando pela maior crise de sua história. Isso afetou a mentalidade tanto dos investidores locais, como dos fundos estrangeiros. Chega a ser patético pensar que uma startup com grande potencial de mudar o mercado compita com taxas de juros superiores a 10%. Assim, o investidor opta por uma opção mais segura em vez de apoiar um negócio impactante. Você pode achar absurdo, mas sozinho você não pode lutar contra o mercado.

Consequentemente, podemos assumir que nos anos 2014-2017, muitos potenciais investidores-anjo que o Brasil possui alocaram seu dinheiro em títulos do governo e fundos de baixo risco, em vez de apoiar uma empresa como a minha. Outros investidores escolheram setores “B2B” – que talvez não eram negócios exponenciais, mas pareciam representar maior segurança.

Competindo contra setores “da moda”

Logo ficou claro que alguns setores ficaram na moda e encontrar um investidor para a aviação privada seria quase impossível. Na aviação, existe uma regra que quando a economia cresce 1%, os voos crescem 4%. Mas quando desacelera 1%, a aviação cai 8%.

Não foi o suficiente para eu explicar a eficiência que a nossa tecnologia traz para o mercado, nem que somos a primeira empresa a introduzir a economia compartilhada para o setor e que isso pode aumentar seu tamanho 3x.

Foi também nessa época que a mídia local publicou notícias sobre “Lava Jato”, zombando de políticos ricos e seus jatinhos. Essa era a imagem que os investidores tinham em mente e meu papel (difícil) era vender essa ideia, prometendo uma mudança profunda no mercado.

>> Leia também: Os clientes na defesa do seu negócio

Fora do Brasil, o clima também era ruim. A verdade é que os estrangeiros não entendem o Brasil e assumem as coisas de acordo com notícias nas mídias. Para investir aqui, você deve ter uma alta sinergia com as empresas locais e a minha aparentemente não estava na lista.

Os desafios próprios do setor

Isso nos leva ao segundo ponto: a própria aviação.

Em geral, as pessoas que entram nesse setor nunca retornam. De certa forma, é tão difícil entender a aviação e a sua economia, que pouquíssimas pessoas optam aleatoriamente por investimentos nessa área. É um setor onde tudo tem que funcionar perfeitamente e as margens são pequenas.

A única maneira de crescer é escalando o negócio. A aviação privada é uma área funcional separada, ainda mais difícil, que requer enormes somas de dinheiro, mas dá margens elevadas. Para ter sucesso nela, você precisa oferecer um serviço de alta qualidade e conhecer as pessoas certas.

Como encarar essa missão?

Esses dois pontos: (1) investidores locais aversos ao risco e (2) as características do setor de aviação privada, levaram-me às minhas duas principais conclusões que me guiaram na busca por um investimento:

Preciso encontrar alguém que goste de negócios disruptivos, no campo da aviação privada, e que entenda o Brasil.

Mission impossible? Almost.

Meu sócio encontrou um investidor-anjo, Fabio Cristilli, que decidiu nos ajudar financeiramente em troca de uma participação na empresa. Não foi o suficiente para escalar o negócio, mas ele aceitou a oferta.

O Fabio também recomendou que nos inscrevessemos para o programa de aceleração da ACE. Meu sócio era naquela época o dono majoritário da empresa, então eu educadamente concordei com suas decisões.

Meu instinto era que não precisávamos de um acelerador, porque já tínhamos experiência suficiente para administrar o negócio por conta própria. A verdade é: tivemos problemas para captar dinheiro, então qualquer apoio foi bem-vindo.

A aceleração na ACE

Fomos aceitos no ACE. Foi em outubro de 2016, 10 meses após o lançamento da empresa. Nesse momento, tínhamos completado os primeiros testes com charters e voos compartilhados, construído uma identidade visual para a Flapper, feito várias consultas com advogados, e montado uma tecnologia funcional. Até então o investimento na construção da Flapper já era de R$ 450 mil.

Na ACE, nosso principal desafio era validar uma série de hipóteses para preparar a empresa para decolar. Isso incluía responder perguntas, como:

  • Quais são as principais rotas que devemos desenvolver ?
  • Qual é o melhor modelo de negócio para o começo – pay-per-seat ou membership?
  • As pernas vazias podem se tornar um grande negócio?
  • Como crescer mais rápido sem gastar dinheiro, ou seja, podemos nos integrar com empresas, como o FlyTour?

Para nós, a ACE era uma maneira de unir a equipe (anteriormente trabalhávamos em modo de home office) e receber um reconhecimento no mercado. Juntando-se a uma aceleradora onde as taxas de aprovação estavam abaixo dos 5%, a Flapper definitivamente ganharia muito aos olhos dos futuros investidores.

O problema era que, para receber o primeiro financiamento da aceleradora, teríamos que esperar pelo menos 6 meses e já ficávamos sem dinheiro …

Sem recursos, mas com grande conhecimento em marketing e startups, comecei a fazer consultoria para dar suporte ao negócio. Me tornei um consultor de um eCommerce de luxo, Farfetch, onde também aprendi mais sobre clientes premium. Então levei meu parceiro, Arthur, comigo para a Mastercard, onde demos consultoria para uma fintech.

Durante 8 meses, estávamos dividindo nosso tempo entre a consultoria e a ACE. Como nossos honorários eram altos, pudemos sustentar a empresa, investindo na infraestrutura, marketing ou até salários do Iago Senefonte e William Oliveira, nossos outros co-fundadores, que continuaram construindo a tecnologia.

A decisão de terminar a sociedade

Em algum momento, ficou claro que nosso quinto co-fundador teria que deixar a empresa. Ele estava cansado do Brasil e não acreditava mais no negócio. Eu o visitei em Moscou, tentando convencer a vender suas ações. Passamos por várias lutas e até eu cheguei perto de desistir do negócio também.

Comprei a marca Flapper deste e construímos uma nova tecnologia. A empresa agora estava livre para crescer.

Necessidade de mais capital

O negócio exigia mais dinheiro do que poderíamos ganhar. Em abril 2017, estávamos todos quebrados, mas a Flapper continuou. Estávamos gastando dinheiro principalmente provando aos operadores de táxi aéreo que o negócio fazia sentido.

Lembro como alugamos dois jatos da Líder Aviação durante o Carnaval e vendemos 50% dos assentos pela plataforma. Foi um milestone importante, mas caro. Em outra ocasião, comprei a perna vazia pelo preço cheio de R$7000 e vendi apenas 2 assentos para provar que vendendo por assento eles ganhariam mais. Isso foi necessário para construir o mercado.

De repente, no final de março, fui informado de que as minhas ações na Easy Taxi poderiam ser monetizadas e que, se tudo corresse bem, receberia dinheiro dentro de 2 semanas. Foi como um presente do céu – meu cartão de crédito já estava na linha vermelha.

Logo em seguida, a ACE fez o aporte de R$ 150 mil na empresa, o que permitiu o início de voos semanais entre São Paulo e Rio de Janeiro. Com apenas um motor, e com muito barulho, a Flapper decolou.

Voando para encontrar mais investidores

Simultaneamente, continuei procurando investidores. Estabeleci um KPI de pelo menos duas reuniões por semana. Tenho que admitir que as minhas conversas com investidores foram muito decepcionantes. Os temas recorrentes foram:

  • “Eu prefiro do modelo B2B”
  • “Por que você precisa tanto dinheiro se você ainda não ganha nada?”
  • “Nós só investimos em startups maduras”

Pra mim, tivemos os “3T” bem-feitos: o Time era experiente, a Tecnologia já funcionava, e o Traction (tração no mercado) também já existia. Os investidores achavam diferente.

Lembro-me de quando, uma vez, entrei em uma reunião com um bem conhecido fundo brasileiro e o dono disse que nunca iria voar em tais aeronaves. Eu educadamente agradeci, saí da reunião e continuei minha busca. Tentei não ficar com raiva, mas preciso admitir que encontrei muitos idiotas.

Muitos investidores tentaram me enganar com valuation mais baixo e os investimentos menores, mas resisti – a minha exigência era clara: de 3 a 5 milhões de reais, com um valuation de R$ 15 milhões.

Também encontrei alguns intermediários, mas seus termos eram impossíveis de aceitar. O melhor de tudo – quanto mais dados eu estava descobrindo sobre o mercado de aviação privada no Brasil, mais eu entendia quão grande é o seu potencial e como eram justificados meus números.

Busca também no exterior

Como sou especialista em minha área, muitas empresas me convidam para eventos, pagando todos os custos da minha viagem. Em janeiro de 2017, também fui reconhecido como um dos empresários mais promissores com menos de 30 anos pela Forbes. Este e outros convites resultaram em viagens a Israel, Dubai, Vale do Silício e Europa.  Aproveitei para acumular alguns conhecimentos. Conheci mais de 40 fundos nesses países, aprendendo que:

  1. Em geral, é muito difícil levantar dinheiro fora do seu país
  2. É impossível levantar dinheiro em Israel a menos que você seja judeu
  3. Capital raising nos EUA só é possível na fase posterior, devido à forte concorrência local.
  4. Negociar com investidores árabes leva mais tempo do que negociar com os brasileiros.

Negociações e aprendizados

Agora, equipado com mais experiência, continuei minhas negociações com investidores, tanto em nível local quanto internacional. Um dia, notei que um dos investidores árabes colocou dinheiro numa startup brasileira local. Duas semanas depois, entrei em contato com o fundador solicitando uma introdução.

>> O poder do networking e como a ACE te ajuda a criar uma rede

Foi assim que confirmei meu primeiro fundo (muito obrigado Pettersom). Felizmente, eles não só tinham um negócio no Brasil, mas também investiram em outro marketplace de aviação privada na Índia no passado.

Bingo! Minha estratégia funcionou.

No nível local, comecei a construir um relacionamento com um fundo que, na minha opinião honesta, tinha a melhor sinergia com a Flapper. O fundo focava na aviação e alguns dos LPs eram ex-diretores do setor de aviação privada.

Nós fomos apresentados pela primeira vez em janeiro e iniciamos conversas formais em abril. Logo vi que eles também conheciam muito bem o ACE e confiavam no trabalho de aceleradora.

Enquanto isso, continuei aperfeiçoando o meu pitch. Eu tinha dois decks: um teaser básico de 10 páginas e um livreto enorme com 70 páginas.

Cada vez que o investidor adicionava uma nova pergunta, eu melhorava meu FAQ.

Tinha tudo: um business plan, um deck curto, um deck longo, um FAQ separado, uma análise de valuation, um plano de saída, simplesmente tudo. Ao todo, ao longo do tempo, provavelmente fiz 40 alterações em nossa apresentação.

Colhendo resultados, mas ainda na luta

Em junho, ambos os investidores confirmaram seu interesse em investir na Flapper. Naquela época, minha planilha contava com 200 fundos e investidores que conversei. Muito, né? 🙂 Obviamente, apesar de ter assinado os term sheets, nunca parei de procurar mais. One learn by mistakes, como se disse. Sabia que tudo poderia acontecer.

Em agosto, encerramos formalmente nossos trabalhos de consultoria para focar 100% na Flapper. Esperávamos que o investimento chegasse em setembro e tínhamos dinheiro suficiente para sobreviver até então. O plano foi bombardear o mercado com voos compartilhados já em setembro.

Nada fácil. Primeiro, nosso investidor local queria que nos mudássemos para Belo Horizonte. Nada contra BH, mas isso desencadeou uma série de complicações, que junto com o fato de o fundo estrangeiro estar completamente preso à burocracia, resultou em algumas situações muito estranhas. Escute isso:

  • Flapper teve que mudar de Ltda para Sociedade Anônima. Isso nós obrigou a emitir uma nova ata. Nenhum advogado queria nos ajudar com processos tão básicos enquanto nós não tínhamos ideia sobre a lei.
  • Enquanto a Junta Comercial de São Paulo aprovou nosso nome de Flapper Technologies, a Junta Comercial de Belo Horizonte não gostava de nomes ingleses, então tivemos que publicar uma nova ata.
  • Para assinar o contrato, tivemos que homologar as nossas assinaturas com o certificado A3. Só que ninguém tinha esse certificado e 50% dos  sócios moravam fora. Acabei mandando um brasileiro para Nova York, onde o anjo investidor e um dos sócios da ACE moravam, para emitir certificações para eles. Esse jogo custou quase R$8 mil.
  • Não era possível assinar o certificado no Mac e ninguém tinha Windows. O Arthur, meu sócio, desenvolveu um programa virtual para facilitar o processo.

No final, quando tudo estava pronto, tivemos que traduzir mais de 80 páginas para o inglês. Isso nos custou mais R$ 8 mil… Como vocês chamam isso? Custo Brasil? 🙂 Também ouvi falar que “Brazil is not for amateurs”. Tudo isso é verdade. É um país de monopólios e parte disso se explica com dificuldades de crescer o negócio. The winner takes all.

Mais um pouco de espera – e o medo do fracasso

No final de agosto, fomos informados de que o investimento só virá em outubro. Nós estávamos desesperados. Começamos a vender as nossas coisas. Pela primeira vez na minha vida tive que dormir nos sofás dos amigos (obrigado Daniel e Julian). Lembro-me de um dia em que aluguei um quarto compartilhado do Airbnb, dormindo ao lado de um hipster local. Naquele dia eu vim para São Paulo de graça em um jato particular (perna vazia) e estava vestindo um terno chique para a reunião no dia seguinte. Eu estava chorando como um louco naquele dia. Meu cérebro não aguentava mais aquela pequena linha entre o sucesso e o fracasso. Às vezes, o sucesso e o fracasso dormem juntos. Sempre acorde alerta.

Continuei negociando várias alternativas para receber investimentos mais rápido. Finalmente, encontramos um caminho menos burocrático. Ainda assim, o dinheiro só chegou em nossa conta bancária no final de outubro.

A hora de comemorar

Enquanto estive na Easy Taxi eu aprendi algo muito importante sobre investimentos: há quatro fases que você pode celebrar:

[su_note](1) um “YES” verbal,
(2) term sheets assinados,
(3) contrato de investimento assinado
(4) dinheiro no conta bancária.[/su_note]

Nunca celebre as três primeiras fases. É por isso que não revelei entusiasmo até o final. No dia em que o dinheiro chegou na conta bancária, comprei um uísque e fiquei completamente bêbado. Mereci. Minha conta bancária estava mostrando R$ 40 mil negativo, mas mesmo assim foi possivelmente o melhor dia da minha vida.

Nós trabalhamos muito duro nisso e chegamos a investir mais de R$ 750 mil na empresa até o round Seed.

Minha carteira estava mostrando 228 nomes – duzentos e vinte e oito investidores que eu passei para fechar meu financiamento inicial, você acreditaria?

E isso não foi o fim da história! Nunca imaginaria que levaria mais 7 meses para meu segundo investidor, baseado no Qatar, formalizar seu capital call e é por isso que estou publicando este artigo agora. Estamos formalmente assegurados.

Espero que esta história ajude a inspirar muitos novos founders. Mais importante ainda, se você realmente acredita em algo, nunca desista. Mas tenha os números para respaldar sua tese. Às vezes é muito sobre o timing. Mas a recompensa pode valer a pena esperar.

Paul Malicki, é empreendedor serial. Atualmente, comanda a Flapper, empresa de compartilhamento de jatinhos

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26 de julho de 2024 – São Paulo